Vieira – Entrevista com Dona
Maria Vieira da Silva, em 19 de Agosto de 2006.
- A senhora nasceu em 20 de
agosto de 1917, em Aquidabã. Me conte um
pouco sobre sua infância.
- Mª da Silva - Bom. Aquidabã
morava com minha mãe, o meu pai fazia roça e nós vivia disso, adepois ele adoeceu. Minha mãe
lá, sem nenhum parente nem da parte dela nem dele. Aí resolveu ir para Propriá.E
o meu pai apiorando. Está bom? – Aí vimos para própria.Eu ficando já mocinha.
Quando chegou em Propriá ele apiorou e morreu. Minha mãe em Propriá se viu
sozinha, sem parente, não tinha do que viver foi trabalhar na plantação de
arroz. Fez um ranchinho de palha de arroz, e assim acabou de criar os fio. Quando nós estava... Eu mocinha me
casei. A minha mãe acabou de criar os meus irmãos. Um morreu. E ficamos em Propriá. Eu vivi bem
com meu marido por dez anos, em orde de pobre, porque toda vida fui pobre.
[semblante triste].
- Depois ele me deixou por outra,
em Propriá, por uma parenta minha. Eu mi vi sem marido, com cinco filhos, em
Propriá, tivi quinze filhos, dez morreram, criou-se cinco.
- Vim embora para Aracaju.
Cheguei em Aracaju os se casaram , e hoje...
- AV - A senhora veio para Aracaju em que ano?
MS - Bom o ano eu não me lembro. Vim
para Aracaju acabei de criar os filhos. Meu filho
mais velho tem cinqüenta e dois anos, eu fiz noventa e...
*Entrevistada pergunta ao
entrevistador se seu depoimento está bom.
- AV - Onde a
senhora foi trabalhar quando chegou a Aracaju?
MS - Não
trabalhei de nada. Trabalhava assim, fazia faxina na casa de um e de outro.
Eu fui ao juiz,
e o juiz tirou uma quitaçãozinha do meu marido, e com essa quitação eu pagava o
aluguel da casa. A comida eu me virava, pedia esmola para dar comida aos meus
filhos, e assim criei os filhos. Hoje...
- AV - A
senhora conhece várias formas de cura. E o que nós chamamos de curandeiro. DE
quem herdou esse conhecimento?
- MS – Do meu
avô, pai de minha mãe, ela era de um lugar muito longe, ele era pobre, por isso
se valia de remédio do mato. E quem perguntava a ele... Uma pessoa que já
sofreu ou estava sofrendo do que o meu avô sofria, e com um remédio do mato e
ficou bom, perguntava: Como que você ficou bom? Aí meu avô respondia a ele que
pegava folha de mato de... Eu estou esquecida do nome das folhas.
- AV – A
senhora tinha uma avó que era índia?
- MS – È.
- AV – A avó da
senhora teve alguma influência? Incentivou a senhora a ser curandeira?
- MS – Bom! Ela
não alcançou a aprender com a mãe dela não, porque a mãe dela morreu logo. A
bisavó dela foi pegada a dente de cachorro no mato. A minha mãe contava muita
coisa desses parentes dela, contava que sabia muito remédio do mato. E mãe... E
meu avô cortava muito.
* Segundo a
entrevistada a palavra significa uma pequena parte.
* A entrevistada não entendeu a
pergunta. Nessa resposta ela se refere a sua mãe. Coisa da terra dele ele morava nos caraíbas,
e contava que a família dele fazia remédio do mato, que hoje, se falar, dizem até que é
veneno.
- AV – A mãe da senhora também
era curandeira?
- MS – Era. Ela também ensinava
muito remédio ao povo, a alguma pessoa...
- AV – A senhora aprendeu a ser
curandeira com sua mãe?
- MS – Foi. Varíola, que o povo
chamava bexiga, eu mesmo tratei uma, um, casal, uns cumpadres meus, na casa
dele, escondido, se o povo soubesse chamava a polícia e a polícia levava pro
lazarento. Aí eu tratei em
casa. A minha mãe contava com o que era que ficava bom e eu fiz.
Remédio fácil, fácil mesmo, graças a Deus não tive nada.
- AV – Essa época foi em Propriá?
[ entrevistada fez sinal afirmativo com a cabeça ]
- AV – Se a polícia descobrisse
que a pessoa tinha bexiga branca, a levava para o lazarento?
- MS – Era tinha que esconder, se
a polícia soubesse levava para o lazarento, ficava lá, tratavam lá. Ela chorava
muito pra não querer ir. Aí eu disse. Não vá não que eu lhe trato em casa, aí
tratei, ficou boa.
- AV – O que era o lazarento?
- MS – O lazarento era uma casa
que foi feita para tratar essa doença.
- AV – A senhora lembra o ano
disso?
- MS – Não, tem muitos anos, tem
muitos anos disso, graças a Deus uma doença foi embora, ninguém teve mais não.
- AV – Me conte como a senhora
curou o cumpadre da senhora?
- MS – Pegava um espinho... Que
minha mãe falava que não furava com outro qualquer, espinho, nem agulha,
alfinete, era com o espinho de laranjeira, tirava o espinho da laranjeira, e o
álcool e molhava, era molhando o algodão com aquele líquido, passava nas
bexigas, e furando, e oi murchava pronto, o risco, o perigo só estava de pegar.
- AV – O que era feito para a
bexiga não passar para os outros?
- MS – Queimava cocô de boi,
pegava uma ruma de cocô de boi e queimava na porta da casa, do lado, do outro, a
fumaça que ia para a casa do vizinho não deixava a doença atingi-los.
- AV – Então ser curandeira era
uma tradição de família?
- MS – Eu aprendi esses remédios
com o meu avô, foi de minha mãe, e a minha mãe também falava que era verdade.
[Interrupção da fita para falar com sua neta]
- AV – Algum da senhora aprendeu
a ser curandeiro? Ou só a senhora?
-MS – SE meus irmãos não
aprenderão, foi porque não quis, mas o finado meu avô dizia a nós todos, e a
minha mãe, se eles não aprenderam foi porque não quiseram.
-AV – Alguma pessoa de fora
influenciou a senhora a ser curandeira?
- MS – Bom. Algumas pessoas
também sabiam, o que eu ensinava algumas pessoas sabia também. Não era eu
sozinha não. Hoje é que não existe mais isso, tudo é médico, médico, médico, é
tudo no médico. Eu, meu remédio, remédio de mato.
.Bolhas.
-AV – Qual a religião da senhora?
-MS – A minha religião é
católica, toda vida foi graças a Deus.
-AV – A religião da senhora teve
alguma influência em a senhora ser curandeira?
-MS – Não, Quem me ensinou foi o
meu avô, e a minha mãe.
-AV – Os padres achavam corretas
as curas que a senhora fazia?
-MS – Bem, eu ia pra igreja me
confessar e falava para o padre, e o padre disse que era bom, ensinar a quem
não sabia era coisa boa.
-AV – Na época da senhora
existiam outros curandeiros?
-MS – Existia, hoje é que não
existe. As mulheres, o povo hoje não tem tempo para isso não.
-AV – A senhora aprendeu com uns
curandeiros? Também aprendeu com eles?
-MS – Ensinei também, eu aprendi
e ensinei também.
-AV – Qual a situação econômica
da família da senhora?
-MS – A família toda é pobre, eu
não tenho família rica, mas graças a Deus criei meus filhos; não criei morrendo
de fome. O povo também naquela época era um pessoal diferente de hoje, era tudo
bom, não tinha maldade, hoje é que é cheio de maldade.
-AV – Na sua juventude sua
família tinha acesso fácil ao médico?
-MS – Naquela época, no meu tempo
de moça, era mais fácil o médico, o médica ia na casa do pobre, na minha casa
mesmo tinha o melhor médico, Doutor Nelson, e ele foi na minha casa duas vezes,
eu estava pra ter criança e ele foi na minha casa, de graça, porque eu não
tinha dinheiro para pagar o médico.
-AV – Se o acesso à médico era
fácil, porque a senhora se utilizava da cura com ervas? A senhora confiava mais
nas ervas do que nos médicos?
-MS – Era. Era até os médicos
diziam: Esse remédio é bom. E eu fazia e tomava.
-AV – A senhora lembra de ter curado
muita gente?
-MS – Me lembro, naquele tempo
era muito diferente de hoje. Hoje, o povo é médico, médico, e diz que o remédio
não presta. Eu mesmo tenho 92 anos e não tenho fé em médico. Eu mesmo não me
dou bem com médico.
-AV – A senhora acredita mais na
cura do que nos médico?
-MS – Eu é. Acredito mais na cura
do que nos médicos, acredito mesmo.
-AV – Seus trabalhos eram feito
só pra família? Ou pra gente de fora.
-MS – Depende se acreditar eu
ensino a qualquer pessoa.
-AV – Tinha muitas pessoas que procuravam
a senhora em busca da cura?
-MS – Vinham me perguntar, e eu
ensinava, uns se davam bem, outros não se danam porque tem dúvida, não tinham
fé.
-AV – Então a cura tem relação
com a fé?
-MS – Tem sim. Tudo tem a vê com
a fé.
-AV – As pessoas procuravam à
senhora porque não tinha acesso aos médicos ou porque confiavam na sua cura?
-MS – Confiavam no médico, agora,
achavam que fazendo o que eu mandava, se ficasse bom não ia ao médico.
-AV – A senhora recebia presentes
ou dinheiro pra curar as pessoas?
-MS – Não. Eu não exigia, agora,
eu era pobre, tinha... [entrevistada está confusa tem 92 anos] filhos, se me
dessem um presentinho eu recebia, e davam, quando não davam a mim, davam a um
filho meu, era mesmo que dá a mim, e assim vivi até agora.
-AV – Porque a senhora curava de
graça? Achava que essa era a sua obrigação?
-MS – Era. Eu achava que ensinar
um remédio a uma pessoa, porque aquela pessoa faz aquele remédio e fica bom não
precisa jogar não. Agora se quisesse da uma besteira eu recebia. Outro pode
fazer assim como eu, se tiver fé, e der um pão pra comer recebe, se não der
também a mesma coisa.
-AV – A comunidade conhecia a
senhora como curandeira?
-MS – Não. Não me conhecia não,
porque também eu não falava pra ninguém. Qualquer pessoa que quisesse um
remédio, e me conhecesse, tivesse alguma pessoa que dissesse: olhe, pergunte o
Nina que ela sabe remédio, ela lhe ensina, se a pessoa acreditasse nesses
remédios assim, vinha a mim e eu ensinava se não visse também, eu não ensinava.
-AV – A senhora conhecia outros
curandeiros que recebiam dinheiro para curar?
-MS – Bom isso aí, eu conhecia
foi muitos, mas não resultou em nada, morreu sempre pobrezinha, e eu recebia
quando me dava um presentinho, uma coisa. Sabiam que eu tinha família, não
tinha marido, aí me dava, eu recebia. Eu recebi foi muita coisinha. Eu morava
vizinha a um rapaz que os pais dele fazia roça, e ele falava pro pai: - olhe
pai Nina vai comer daí até o derradeiro grão; e eu comia de roça o ano todo.
-AV – A senhora tentou passar
essa tradição para alguém da família?
-MS – Eu ensinei e ainda hoje
ensino, se não querem é porque a vaidade é demais, não escuta o que eu digo que
eu não sou mais ninguém, sou velha demais, e pronto, eles não fazem o que eu
mando, é trabalho perdido ensinar a quem não quer aprender.
-AV – O que a senhora sente em
saber que essa tradição de curandeira está se perdendo?
-MS – Hoje não existe mais,
curandeira não existe mais. Você procura uma pessoa pra rezar em uma criança,
em um adulto, e não acha mais. As curandeiras não é mais disso não, os
curandeiros agora que é forró, é dançar, é pular, é saltar e ta acabando. Hoje
ninguém... [eu, uma semana dessa aqui, eu tive com a perna inchada, procurei
por aqui, quem sabia reza, NINGUÉM] Fiquei boa com a fé de Deus. E meu remédio
que fazia pra trás, aí eu fazia e fiquei boa da minha perna, mas que existe
rezadeira hoje, não tem não, não existe, ninguém encontra, agora pergunte: tem
forró hoje? Pra vê se eles não dá a resposta, dá a resposta na hora.
-AV – Me fale um pouco sobre as
curas que a senhora fazia. Por exemplo, como era que a senhora cuidava dos
umbigos dos netos da senhora?
-MS – Meus netos quando nasciam
inda hoje quando nascem minha bisneta curava tudo... Não curo hoje porque a
vista não dá mais. Quando nascia, vinha pra casa da maternidade, que não tomou
banho ainda, mas quando tomou banho (...) pra não ter cólica NÃO TEM NUNCA,
pega capinha de fumo, fumo de (...) de o povo fumar, de rolo, pega uma capa,
aquela capa de fora, bota em cima da capa, ele fica sequinha, quando ela ta sequinha a pessoa
machuca assim com a mão[ a entrevistada faz jeito com as mãos de que está
esmiuçando o fumo] desmancha fica aquele pozinho,
- Aquele pozinho bota no umbigo,
bom uma vez só, que é para não dá cólica, e não dá nunca, NUNCA DÁ. Bota agora,
depois outro remédio é óleo de almenda,
óleo de almanda, acabou de tomar banho enxuga o umbigo do menino com óleo de
almenda, com três dias o um umbigo cai. Hoje é o remédio de farmácia que não
sei nem qual é o nome desses remédio, bota nesse umbigo do menino, das minhas
netas, aqueles que não acredita, diz que é nojeira, esse remédio pra trás.
-AV – O que aconteceu com o filho
mais novo da senhora? E o que a senhora fez para curar ele?
-MS – Isso me aconteceu foi com
um fio e uma moça que eu criava. Já criei uma menina que saiu da minha casa
casada. A finada, ta a finada oi, será que já morreu? Que agora?
-AV – O que aconteceu com o filho
da senhora quando ele teve a doença do vento?
-MS – A doença do vento que o
povo diz que é uma doença, sabe lá o que, não para mim não é não. Porque no
tempo que meu fio, eu tinha fio, eu tive um fio que ele tava sentado, aí deu a
crise de choro e caiu pra trás, quando ele caiu pra trás tava roxo, aí eu
peguei a roupa dele, tirei a roupa toda por cima assim [faz gestos com os
braços de que está tirando a camisa] pelo avesso, pelos braços, cabei toquei
fogo, quando tava fazendo aquele fumaceirão aí eu dei defumador no menino,
quando acabei de dar o defumador, joguei ele, botei no chão, botei ele em cruz
no chão, um pé por cima do outro, um braço por cima do outro, e ele morto,
joguei dois prego virgem, apreguei um no pé, outro na mão em cruz.O remédio que
eu dei a ele foi esse não mandei outra coisa na. Hoje o povo...
-AV – Ele melhorou com isso?
-MS – Melhorou não, ficou bom [
demonstrou indignação com a minha pergunta] ficou bom.
-AV – O que aconteceu com a filha
da senhora quando ela teve uma doença chamada cobreiro?
-MS – É uma doença que sai na
cintura e cruza a cintura. E diz o povo que se encontrar a cabeça com o rabo,
da doença, mata. Mas aí é fácil, aí é fácil levar pra rezadeira, quando chegar
na rezadeira ... Eu mesma tive uma menina, foi Lenilde, ou foi Lenilde meu
Deis, foi Lenilde, e levei ela pra rezadeira, a rezadeira rezou, rezou três
vez, e passou tinta, tinta de tinteiro, nessa época se usava era tinteiro, hoje
não é, é caneta, mas naquela época era, tinta tinteiro, o tinteiro e a caneta
de escrever, aí jogava a tinta passava.
-AV – Ela o rezou o cobreiro com
a faca?
-MS – Não. Fogo selvagem é que é
com a faca.
-AV – O fogo selvagem é que reza
com a faca virgem não é?
.-MS – O fogo selvagem é, faz
aquele carocinho [inxudível] aí a pessoa pega o jijiri e uma tesoura, aí pega o
jijiri e uma tesoura, e vai rezando e cortando o jijiri, penica o jijiri
todinho, olhe para não deixar cair no chão, e mata.
-AV – Me conte sobre o compadre
Pedro que a senhora tinha e como à senhora curou o problema dele?
-MS – aí chegou cumpadre Pedro
lá, com uma.........., bem na curva da perna, no lugar mesmo de aleijar mesmo. Uma
perna inchada enrolada de pano, aí, que isso cumpadre? – Cumadre um carocinho
de nada, comecei a coçar, e o carocinho, me apareceu o carocinho, esse
carocinho coçando, coçando, coçando, e eu coçando, e o caroço cresceu, e o povo
me dizendo que eu vou aleijar aí eu digo: Vá lá em casa que eu faço o remédio.
– Aí ele foi. Aí ele chegou lá em casa, eu cozinhei umas folhas de jarrinha,
lavei a perna dele, enxuguei bem exutinho, aí peguei matriz, peguei um pouco de
farinha e botei tudo na boca, aí mastiguei, mastiguei, mastiguei, que fiz
aquela pomada, cheguei em cima botei.Digo: - Não tire, aí botei um algodão,
amarrei com pano e ele foi pro casa. Quando foi de manhã ele chegou lá. –
Cumadre graças a Deus eu dormi essa noite. Digo: dormiu? – Dormi.
- Aí eu fiz de novo o mesmo
remédio, tornei a lavar, com a jarrinha, aí fiz o mesmo remédio. No outro dia
ele tornou a ir. Sei que eu lavei três vezes, uma vez botei mato... Jarrinha
lavei com jarrinha, lavei com, como é que eu esqueci o nome meu Deus?
-AV – Mastruz?
-MS – Sim, lavei com mastruz,
varrinha e aroeira, aí botei farinha na boca de novo, sei que eu fiz três
vezes. O buraco tava tão fundo que a gente tava vendo quase o osso da cava da
perna. Aí eu botei no outro dia já tava mais raso. E ficou bom com isso. O povo
dizendo que ele ia aleijar, aleijar, e ele ficou bom, graças a Deus ele ficou
bom.
-AV – Para que a senhora
utilizava o chifre do boi?
-MS – Não vou dizer nada, vou
dizer o que eu disse agora. Bom o chifre do boi é pra cobra, pra espantar cobra,
se tiver uma cobra dentro de casa só é botar o chifre do boi no fogo, dentro de
casa e preste atenção que vê quando a cobra sai.
-AV – Mas como é que faz? Queima
o chifre?
-MS – É queima o chifre no fogo,
quando a fumaça encher a casa, o fedor do chifre, ela sai, sai que sai danada.
– Agora pra xangozeira ela tem valor, aquela que trabalha pra fazer o mal só
trabalha com o chifre de boi na frente.
-AV – Qual era o remédio que a
senhora utilizava pra dedo desmentido e pra pé torcido?
-MS – Bem o remédio pra pé
desmentido, e até quebrado, é este aqui, que eu já fiz prum neto meu e ele
ficou bom, não foi pra médico, não foi pra médico de forma alguma.- Ele morava
separado a mim, muito, não era perto não, era muito, a mãe tava de neném,
paridinha de novo, em cima da cama, e eu tava até me arrumando pra ir pra lá. E
ele brincando com os meninos quebrou a perna, aí chega! Chega! Pra levar pra
lá, pra poder o (...) e o recado chegou lá, seus amigos mesmo, seus parentes,
pra não deixar Margarida saber. – E nisso peguei ovo de galinha, quebrei, tirei
a clara. Com o breu, gira o breu bem picadinho que fica como farinha, e pega a
clara do ovo e faz aquele mingau, bota, mistura e bate, bate, bate, mexe, mexe,
mexe, cabar pega o algodão e bota, espalha, cabar bota em cima, pega do jeito
que só(...) quando cai ta pronto, ta sarado, ta bonzinho.
-AV – Qual o remédio que a
senhora utilizava pra tirar mal olhado da criança?
-MS – Bom, rezar, mandava rezar. Que
tinha menino que basta a pessoa olha pra ele, o menino adoece, que bota mesmo,
bota mesmo porque já fui mãe de cinco fios meu, fio adoecia de olhado. Agora o
remédio, não quer ta só mandando rezar, mandando rezar, só é pegar um pouquinho
de arruda, limpa ele e faz uma figuinha de arruda e bota na mão do menino com uma
com uma fitinha vermeia, e pronto, pode olhar quem quiser, não adoece aquele
menino. Agora não bota, eu acredito que bote, porque eu tenho tido neto e meu
neto adoece, de olhado, tem pessoas que tem os olhos ruim.
-AV – A cura que a senhora fazia
tem a ver com a fé? A senhora rezava pra algum santo; pra que a cura desse
certo?
-MS – Nada vai pra frente, que
não seja na presença do santo. Você vai rezar um “Pai Nosso” pra uma criatura
que se acabou-se, morrem, cê tem que botar o santo na frente .Como é que você
reza o “Pai Nosso” ? Você tem poder de rezar uma “Ave Maria” e entregar aquela
santa, sem botar uma santa na frente?
-AV – A senhora rezava pra algum
santo na hora que estava fazendo os remédios?
-MS – A pessoa reza, reza aquele
“Pai Nosso”, quando acabou de rezar, ofereço esse “Pai Nosso” a louvores ao
divino Espírito Santo e a favor de fulano de tal, pra quem você quer rezar, a
minha mãe, ao meu pai, ao meu tio, seja lá quem for. Mas você reza, reza o “Pai
Nosso”, quando acabar, ofereço esse “ Pai Nosso” a fulano de tal, não chega nem
perto. Você não tem, você mais eu tenho o poder de rezar o pai nosso e torcer
pra aquela pessoa, não tem não.
-AV – Então quando fazia a cura a
senhora rezava para essa pessoa?
-MS – Rezo, rezo primeiro pra
pessoa, pro santo, pra pessoa não, pra o santo.
-AV – Se a pessoa não tiver fé no
remédio? Mesmo assim o remédio dá certo ou não?
-MS – Bom você tendo fé naquele
santo, e ainda que não tenha fé no remédio o remédio vai lhe servir, vai lhe
servi.
História de vida
Filha de Manoel Vieira Rocha e
Maria Ricardina da silva, Maria Vieira da silva nasceu em 20 de agosto de1917,
em Aquidabã - SE. Aos quatro anos de idade sua família mudou-se para Propriá,
pois seus pais encontravam-se muito doente foi buscar apoio em seus parentes
que moravam numa cidade próxima a Propriá. Com a morte de seu pai, sua mãe foi
trabalhar nas plantações de arroz, enquanto dona Nina cuidava dos seus quatro
irmãos e da casa, sem nunca ter tempo pra estudar.
Aos 13 anos de idade, cansada da
vida que levava, fugiu para casar com, Seu Manoel com quem teve 15 filhos,
Depois de vinte anos de casamento seu marido a deixou por sua prima. Logo a
separação, dona Nina mudou-se Aracaju, dona Nina foi trabalhar em casa de
família, como pensão que seu marido lhe pagava e o dinheiro de seus trabalhos
não davam para sustentar seus filhos, dona Nina chegou a pedir esmolas.
De seus 15 filhos, nove já
morreram. Sua genealogia consta também de 34 netos, 46 bisnetos e 3
tataranetos.Desses, muitos foram criados por dona Nina que assumia a chefe da
família. Hoje com 89 anos de idade, dona Nina assume sua casa, e com sua
aposentadoria e a pensão que recebe de seu ex-marido (finado), dona Nina
sustenta sua filha, três netos e um bisneto.
Temática
Ao trabalhar com dona Nina, eu
não tinha uma temática em
vista. Só durante a entrevista, quando dona Nina relatou
alguns casos de doenças de pessoas próximas e a forma como ela curou essas
pessoas, foi que eu atentei para essa questão do curandeirismo. Passei então a
explorar essa questão, e ela me falou sobre diversos casos de cura que ela
realizou. Dentre elas as que eu achei mais interessante foi a cura do seu
cumpadre Pedro que dona Nina assim relata:
“ Cumpadre Pedro tinha uma ferida
na perna que quase dava pra ver o osso. Lavei a ferida com jarrinha, peguei
mastruz e farinha, botei na boca e mastiguei, mastiguei,mastiguei, até fazer
uma pasta. Coloquei a pasta na ferida e cobri com o pano. O povo dizia que ele
ia aleijar, ele ficou bom...”
Outra cura interessante foi a de
um casal que morava vizinho a ela e teve varíola. Dona Nina cuidou deles e
venceu a doença com espinhos de laranjeiras, álcool, côcô de vaca e muita reza.
Segundo dona Nina para os remédios dessem certo era preciso ter fé no divino
Espírito Santo, assim disse ela:
“Uns se davam bem, outros não se
dava porque sem dúvida não tinha fé... Tudo tem a ver com a fé... Nada vai pra
frente se não for à presença do santo... Reza um pai nosso em louvor ao
Espírito Santo e em favor de fulano de tal... Bom, você tendo fé naquele santo
ainda que não tenha fé no remédio o remédio vai lhe servir.”
Assim, dona Nina era procurada
pelas pessoas de sua comunidade que tinham alguma doença ou problemas. Dona
Nina refere ter feito e ensinado vários remédios para as pessoas sem nunca ter
cobrado por isso. Apesar de ter conhecido muitos curandeiros que cobravam. Ela
refere apenas que ganhava presentes, ou ela ou seus filhos.
E muito interessante quando
notamos em sua fala e ela não se ver como curandeira, e diz que as pessoas
também não a via como tal, apenas a procuravam para que lhe ensinasse ou
fizesse algum remédio, e ela fazia, pois se achava na obrigação de ajudar as
pessoas e lhes ensinar seus conhecimentos.
Ficha técnica da entrevista
Tipo de entrevista: Temática,
porta voz de uma tradição oral – curandeirismo
Entrevistador: Anselmo Vieira da
Silva
Levantamento de dados e roteiro:
Anselmo Vieira da Silva e Simone Santos de Araújo Silva.
Conferência da transcrição:
Anselmo Vieira da Silva e Sylvia Patricia Batista.
Sumário: Anselmo Vieira da Silva.
Leitura final: Prof. Dr. Antônio
Lindvaldo.
Local: Aracaju - se.
Data: 19 de Agosto de 2006
Duração: 42 minutos
Fita cassete: nº1
Páginas datilografadas: 06 laudas.
Carta de cessão
A Universidade Federal de Sergipe
fica autorizada a utilizar, divulgar e publicar, para fins culturais, o
mencionado depoimento no todo ou em partes, editado ou não, bem como permitir a
terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos, segundo as normas da referida
instituição, com a única ressalva de sua integridade e indicação de fonte e
autor.
Aracaju, 03 de Setembro de 2006.
Maria Vieira da Silva.
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