sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Entrevista Oral


Vieira – Entrevista com Dona Maria Vieira da Silva, em 19 de Agosto de 2006.
- A senhora nasceu em 20 de agosto de 1917, em Aquidabã. Me conte  um pouco sobre      sua infância.
- Mª da Silva - Bom. Aquidabã morava com minha mãe, o meu pai fazia roça e nós  vivia disso, adepois ele adoeceu. Minha mãe lá, sem nenhum parente nem da parte dela nem dele. Aí resolveu ir para Propriá.E o meu pai apiorando. Está bom? – Aí vimos para própria.Eu ficando já mocinha. Quando chegou em Propriá ele apiorou e morreu. Minha mãe em Propriá se viu sozinha, sem parente, não tinha do que viver foi trabalhar na plantação de arroz. Fez um ranchinho de palha de arroz, e assim acabou de criar os   fio. Quando nós estava... Eu mocinha me casei. A minha mãe acabou de criar os meus irmãos. Um morreu. E ficamos em Propriá. Eu vivi bem com meu marido por dez anos, em orde de pobre, porque toda vida fui pobre. [semblante triste].
- Depois ele me deixou por outra, em Propriá, por uma parenta minha. Eu mi vi sem marido, com cinco filhos, em Propriá, tivi quinze filhos, dez morreram, criou-se cinco.
- Vim embora para Aracaju. Cheguei em Aracaju os se casaram , e hoje...
-  AV - A senhora veio para Aracaju em que ano?
MS - Bom o ano eu não me lembro. Vim para Aracaju acabei de criar os filhos. Meu   filho mais velho tem cinqüenta e dois anos, eu fiz noventa e...
*Entrevistada pergunta ao entrevistador se seu depoimento está bom.
- AV - Onde a senhora foi trabalhar quando chegou a Aracaju?
MS - Não trabalhei de nada. Trabalhava assim, fazia faxina na casa de um e de outro.
Eu fui ao juiz, e o juiz tirou uma quitaçãozinha do meu marido, e com essa quitação eu pagava o aluguel da casa. A comida eu me virava, pedia esmola para dar comida aos meus filhos, e assim criei os filhos. Hoje...
- AV - A senhora conhece várias formas de cura. E o que nós chamamos de curandeiro. DE quem herdou esse conhecimento?
- MS – Do meu avô, pai de minha mãe, ela era de um lugar muito longe, ele era pobre, por isso se valia de remédio do mato. E quem perguntava a ele... Uma pessoa que já sofreu ou estava sofrendo do que o meu avô sofria, e com um remédio do mato e ficou bom, perguntava: Como que você ficou bom? Aí meu avô respondia a ele que pegava folha de mato de... Eu estou esquecida do nome das folhas.
- AV – A senhora tinha uma avó que era índia?
- MS – È.
- AV – A avó da senhora teve alguma influência? Incentivou a senhora a ser curandeira?
- MS – Bom! Ela não alcançou a aprender com a mãe dela não, porque a mãe dela morreu logo. A bisavó dela foi pegada a dente de cachorro no mato. A minha mãe contava muita coisa desses parentes dela, contava que sabia muito remédio do mato. E mãe... E meu avô cortava muito.
* Segundo a entrevistada a palavra significa uma pequena parte.
* A entrevistada não entendeu a pergunta. Nessa resposta ela se refere a sua mãe.   Coisa da terra dele ele morava nos caraíbas, e contava que a família dele fazia remédio  do mato, que hoje, se falar, dizem até que é veneno.
- AV – A mãe da senhora também era curandeira?
- MS – Era. Ela também ensinava muito remédio ao povo, a alguma pessoa...
- AV – A senhora aprendeu a ser curandeira com sua mãe?
- MS – Foi. Varíola, que o povo chamava bexiga, eu mesmo tratei uma, um, casal, uns cumpadres meus, na casa dele, escondido, se o povo soubesse chamava a polícia e a polícia levava pro lazarento. Aí eu tratei em casa. A minha mãe contava com o que era que ficava bom e eu fiz. Remédio fácil, fácil mesmo, graças a Deus não tive nada.
- AV – Essa época foi em Propriá? [ entrevistada fez sinal afirmativo com a cabeça ]
- AV – Se a polícia descobrisse que a pessoa tinha bexiga branca, a levava para o lazarento?
- MS – Era tinha que esconder, se a polícia soubesse levava para o lazarento, ficava lá, tratavam lá. Ela chorava muito pra não querer ir. Aí eu disse. Não vá não que eu lhe trato em casa, aí tratei, ficou boa.
- AV – O que era o lazarento?
- MS – O lazarento era uma casa que foi feita para tratar essa doença.
- AV – A senhora lembra o ano disso?
- MS – Não, tem muitos anos, tem muitos anos disso, graças a Deus uma doença foi embora, ninguém teve mais não.
- AV – Me conte como a senhora curou o cumpadre da senhora?
- MS – Pegava um espinho... Que minha mãe falava que não furava com outro qualquer, espinho, nem agulha, alfinete, era com o espinho de laranjeira, tirava o espinho da laranjeira, e o álcool e molhava, era molhando o algodão com aquele líquido, passava nas bexigas, e furando, e oi murchava pronto, o risco, o perigo só estava de pegar.
- AV – O que era feito para a bexiga não passar para os outros?
- MS – Queimava cocô de boi, pegava uma ruma de cocô de boi e queimava na porta da casa, do lado, do outro, a fumaça que ia para a casa do vizinho não deixava a doença atingi-los.
- AV – Então ser curandeira era uma tradição de família?
- MS – Eu aprendi esses remédios com o meu avô, foi de minha mãe, e a minha mãe também falava que era verdade. [Interrupção da fita para falar com sua neta]
- AV – Algum da senhora aprendeu a ser curandeiro? Ou só a senhora?
-MS – SE meus irmãos não aprenderão, foi porque não quis, mas o finado meu avô dizia a nós todos, e a minha mãe, se eles não aprenderam foi porque não quiseram.
-AV – Alguma pessoa de fora influenciou a senhora a ser curandeira?
- MS – Bom. Algumas pessoas também sabiam, o que eu ensinava algumas pessoas sabia também. Não era eu sozinha não. Hoje é que não existe mais isso, tudo é médico, médico, médico, é tudo no médico. Eu, meu remédio, remédio de mato.
.Bolhas.
-AV – Qual a religião da senhora?
-MS – A minha religião é católica, toda vida foi graças a Deus.
-AV – A religião da senhora teve alguma influência em a senhora ser curandeira?
-MS – Não, Quem me ensinou foi o meu avô, e a minha mãe.
-AV – Os padres achavam corretas as curas que a senhora fazia?
-MS – Bem, eu ia pra igreja me confessar e falava para o padre, e o padre disse que era bom, ensinar a quem não sabia era coisa boa.
-AV – Na época da senhora existiam outros curandeiros?
-MS – Existia, hoje é que não existe. As mulheres, o povo hoje não tem tempo para isso não.
-AV – A senhora aprendeu com uns curandeiros? Também aprendeu com eles?
-MS – Ensinei também, eu aprendi e ensinei também.
-AV – Qual a situação econômica da família da senhora?
-MS – A família toda é pobre, eu não tenho família rica, mas graças a Deus criei meus filhos; não criei morrendo de fome. O povo também naquela época era um pessoal diferente de hoje, era tudo bom, não tinha maldade, hoje é que é cheio de maldade.
-AV – Na sua juventude sua família tinha acesso fácil ao médico?
-MS – Naquela época, no meu tempo de moça, era mais fácil o médico, o médica ia na casa do pobre, na minha casa mesmo tinha o melhor médico, Doutor Nelson, e ele foi na minha casa duas vezes, eu estava pra ter criança e ele foi na minha casa, de graça, porque eu não tinha dinheiro para pagar o médico.
-AV – Se o acesso à médico era fácil, porque a senhora se utilizava da cura com ervas? A senhora confiava mais nas ervas do que nos médicos?
-MS – Era. Era até os médicos diziam: Esse remédio é bom. E eu fazia e tomava.
-AV – A senhora lembra de ter curado muita gente?
-MS – Me lembro, naquele tempo era muito diferente de hoje. Hoje, o povo é médico, médico, e diz que o remédio não presta. Eu mesmo tenho 92 anos e não tenho fé em médico. Eu mesmo não me dou bem com médico.
-AV – A senhora acredita mais na cura do que nos médico?
-MS – Eu é. Acredito mais na cura do que nos médicos, acredito mesmo.
-AV – Seus trabalhos eram feito só pra família? Ou pra gente de fora.
-MS – Depende se acreditar eu ensino a qualquer pessoa.
-AV – Tinha muitas pessoas que procuravam a senhora em busca da cura?
-MS – Vinham me perguntar, e eu ensinava, uns se davam bem, outros não se danam porque tem dúvida, não tinham fé.
-AV – Então a cura tem relação com a fé?
-MS – Tem sim. Tudo tem a vê com a fé.
-AV – As pessoas procuravam à senhora porque não tinha acesso aos médicos ou porque confiavam na sua cura?
-MS – Confiavam no médico, agora, achavam que fazendo o que eu mandava, se ficasse bom não ia ao médico.
-AV – A senhora recebia presentes ou dinheiro pra curar as pessoas?
-MS – Não. Eu não exigia, agora, eu era pobre, tinha... [entrevistada está confusa tem 92 anos] filhos, se me dessem um presentinho eu recebia, e davam, quando não davam a mim, davam a um filho meu, era mesmo que dá a mim, e assim vivi até agora.
-AV – Porque a senhora curava de graça? Achava que essa era a sua obrigação?
-MS – Era. Eu achava que ensinar um remédio a uma pessoa, porque aquela pessoa faz aquele remédio e fica bom não precisa jogar não. Agora se quisesse da uma besteira eu recebia. Outro pode fazer assim como eu, se tiver fé, e der um pão pra comer recebe, se não der também a mesma coisa.
-AV – A comunidade conhecia a senhora como curandeira?
-MS – Não. Não me conhecia não, porque também eu não falava pra ninguém. Qualquer pessoa que quisesse um remédio, e me conhecesse, tivesse alguma pessoa que dissesse: olhe, pergunte o Nina que ela sabe remédio, ela lhe ensina, se a pessoa acreditasse nesses remédios assim, vinha a mim e eu ensinava se não visse também, eu não ensinava.
-AV – A senhora conhecia outros curandeiros que recebiam dinheiro para curar?
-MS – Bom isso aí, eu conhecia foi muitos, mas não resultou em nada, morreu sempre pobrezinha, e eu recebia quando me dava um presentinho, uma coisa. Sabiam que eu tinha família, não tinha marido, aí me dava, eu recebia. Eu recebi foi muita coisinha. Eu morava vizinha a um rapaz que os pais dele fazia roça, e ele falava pro pai: - olhe pai Nina vai comer daí até o derradeiro grão; e eu comia de roça o ano todo.
-AV – A senhora tentou passar essa tradição para alguém da família?
-MS – Eu ensinei e ainda hoje ensino, se não querem é porque a vaidade é demais, não escuta o que eu digo que eu não sou mais ninguém, sou velha demais, e pronto, eles não fazem o que eu mando, é trabalho perdido ensinar a quem não quer aprender.
-AV – O que a senhora sente em saber que essa tradição de curandeira está se perdendo?
-MS – Hoje não existe mais, curandeira não existe mais. Você procura uma pessoa pra rezar em uma criança, em um adulto, e não acha mais. As curandeiras não é mais disso não, os curandeiros agora que é forró, é dançar, é pular, é saltar e ta acabando. Hoje ninguém... [eu, uma semana dessa aqui, eu tive com a perna inchada, procurei por aqui, quem sabia reza, NINGUÉM] Fiquei boa com a fé de Deus. E meu remédio que fazia pra trás, aí eu fazia e fiquei boa da minha perna, mas que existe rezadeira hoje, não tem não, não existe, ninguém encontra, agora pergunte: tem forró hoje? Pra vê se eles não dá a resposta, dá a resposta na hora.
-AV – Me fale um pouco sobre as curas que a senhora fazia. Por exemplo, como era que a senhora cuidava dos umbigos dos netos da senhora?
-MS – Meus netos quando nasciam inda hoje quando nascem minha bisneta curava tudo... Não curo hoje porque a vista não dá mais. Quando nascia, vinha pra casa da maternidade, que não tomou banho ainda, mas quando tomou banho (...) pra não ter cólica NÃO TEM NUNCA, pega capinha de fumo, fumo de (...) de o povo fumar, de rolo, pega uma capa, aquela capa de fora, bota em cima da capa, ele fica  sequinha, quando ela ta sequinha a pessoa machuca assim com a mão[ a entrevistada faz jeito com as mãos de que está esmiuçando o fumo] desmancha fica aquele pozinho,
- Aquele pozinho bota no umbigo, bom uma vez só, que é para não dá cólica, e não dá nunca, NUNCA DÁ. Bota agora, depois outro remédio é  óleo de almenda, óleo de almanda, acabou de tomar banho enxuga o umbigo do menino com óleo de almenda, com três dias o um umbigo cai. Hoje é o remédio de farmácia que não sei nem qual é o nome desses remédio, bota nesse umbigo do menino, das minhas netas, aqueles que não acredita, diz que é nojeira, esse remédio pra trás.
-AV – O que aconteceu com o filho mais novo da senhora? E o que a senhora fez para curar ele?
-MS – Isso me aconteceu foi com um fio e uma moça que eu criava. Já criei uma menina que saiu da minha casa casada. A finada, ta a finada oi, será que já morreu? Que agora?
-AV – O que aconteceu com o filho da senhora quando ele teve a doença do vento?
-MS – A doença do vento que o povo diz que é uma doença, sabe lá o que, não para mim não é não. Porque no tempo que meu fio, eu tinha fio, eu tive um fio que ele tava sentado, aí deu a crise de choro e caiu pra trás, quando ele caiu pra trás tava roxo, aí eu peguei a roupa dele, tirei a roupa toda por cima assim [faz gestos com os braços de que está tirando a camisa] pelo avesso, pelos braços, cabei toquei fogo, quando tava fazendo aquele fumaceirão aí eu dei defumador no menino, quando acabei de dar o defumador, joguei ele, botei no chão, botei ele em cruz no chão, um pé por cima do outro, um braço por cima do outro, e ele morto, joguei dois prego virgem, apreguei um no pé, outro na mão em cruz.O remédio que eu dei a ele foi esse não mandei outra coisa na. Hoje o povo...
-AV – Ele melhorou com isso?
-MS – Melhorou não, ficou bom [ demonstrou indignação com a minha pergunta] ficou bom.
-AV – O que aconteceu com a filha da senhora quando ela teve uma doença chamada cobreiro?
-MS – É uma doença que sai na cintura e cruza a cintura. E diz o povo que se encontrar a cabeça com o rabo, da doença, mata. Mas aí é fácil, aí é fácil levar pra rezadeira, quando chegar na rezadeira ... Eu mesma tive uma menina, foi Lenilde, ou foi Lenilde meu Deis, foi Lenilde, e levei ela pra rezadeira, a rezadeira rezou, rezou três vez, e passou tinta, tinta de tinteiro, nessa época se usava era tinteiro, hoje não é, é caneta, mas naquela época era, tinta tinteiro, o tinteiro e a caneta de escrever, aí jogava a tinta passava.
-AV – Ela o rezou o cobreiro com a faca?
-MS – Não. Fogo selvagem é que é com a faca.
-AV – O fogo selvagem é que reza com a faca virgem não é?
.-MS – O fogo selvagem é, faz aquele carocinho [inxudível] aí a pessoa pega o jijiri e uma tesoura, aí pega o jijiri e uma tesoura, e vai rezando e cortando o jijiri, penica o jijiri todinho, olhe para não deixar cair no chão, e mata.
-AV – Me conte sobre o compadre Pedro que a senhora tinha e como à senhora curou o problema dele?
-MS – aí chegou cumpadre Pedro lá, com uma.........., bem na curva da perna, no lugar mesmo de aleijar mesmo. Uma perna inchada enrolada de pano, aí, que isso cumpadre? – Cumadre um carocinho de nada, comecei a coçar, e o carocinho, me apareceu o carocinho, esse carocinho coçando, coçando, coçando, e eu coçando, e o caroço cresceu, e o povo me dizendo que eu vou aleijar aí eu digo: Vá lá em casa que eu faço o remédio. – Aí ele foi. Aí ele chegou lá em casa, eu cozinhei umas folhas de jarrinha, lavei a perna dele, enxuguei bem exutinho, aí peguei matriz, peguei um pouco de farinha e botei tudo na boca, aí mastiguei, mastiguei, mastiguei, que fiz aquela pomada, cheguei em cima botei.Digo: - Não tire, aí botei um algodão, amarrei com pano e ele foi pro casa. Quando foi de manhã ele chegou lá. – Cumadre graças a Deus eu dormi essa noite. Digo: dormiu? – Dormi.
- Aí eu fiz de novo o mesmo remédio, tornei a lavar, com a jarrinha, aí fiz o mesmo remédio. No outro dia ele tornou a ir. Sei que eu lavei três vezes, uma vez botei mato... Jarrinha lavei com jarrinha, lavei com, como é que eu esqueci o nome meu Deus?
-AV – Mastruz?
-MS – Sim, lavei com mastruz, varrinha e aroeira, aí botei farinha na boca de novo, sei que eu fiz três vezes. O buraco tava tão fundo que a gente tava vendo quase o osso da cava da perna. Aí eu botei no outro dia já tava mais raso. E ficou bom com isso. O povo dizendo que ele ia aleijar, aleijar, e ele ficou bom, graças a Deus ele ficou bom.
-AV – Para que a senhora utilizava o chifre do boi?
-MS – Não vou dizer nada, vou dizer o que eu disse agora. Bom o chifre do boi é pra cobra, pra espantar cobra, se tiver uma cobra dentro de casa só é botar o chifre do boi no fogo, dentro de casa e preste atenção que vê quando a cobra sai.
-AV – Mas como é que faz? Queima o chifre?
-MS – É queima o chifre no fogo, quando a fumaça encher a casa, o fedor do chifre, ela sai, sai que sai danada. – Agora pra xangozeira ela tem valor, aquela que trabalha pra fazer o mal só trabalha com o chifre de boi na frente.
-AV – Qual era o remédio que a senhora utilizava pra dedo desmentido e pra pé torcido?
-MS – Bem o remédio pra pé desmentido, e até quebrado, é este aqui, que eu já fiz prum neto meu e ele ficou bom, não foi pra médico, não foi pra médico de forma alguma.- Ele morava separado a mim, muito, não era perto não, era muito, a mãe tava de neném, paridinha de novo, em cima da cama, e eu tava até me arrumando pra ir pra lá. E ele brincando com os meninos quebrou a perna, aí chega! Chega! Pra levar pra lá, pra poder o (...) e o recado chegou lá, seus amigos mesmo, seus parentes, pra não deixar Margarida saber. – E nisso peguei ovo de galinha, quebrei, tirei a clara. Com o breu, gira o breu bem picadinho que fica como farinha, e pega a clara do ovo e faz aquele mingau, bota, mistura e bate, bate, bate, mexe, mexe, mexe, cabar pega o algodão e bota, espalha, cabar bota em cima, pega do jeito que só(...) quando cai ta pronto, ta sarado, ta bonzinho.
-AV – Qual o remédio que a senhora utilizava pra tirar mal olhado da criança?
-MS – Bom, rezar, mandava rezar. Que tinha menino que basta a pessoa olha pra ele, o menino adoece, que bota mesmo, bota mesmo porque já fui mãe de cinco fios meu, fio adoecia de olhado. Agora o remédio, não quer ta só mandando rezar, mandando rezar, só é pegar um pouquinho de arruda, limpa ele e faz uma figuinha de arruda e bota na mão do menino com uma com uma fitinha vermeia, e pronto, pode olhar quem quiser, não adoece aquele menino. Agora não bota, eu acredito que bote, porque eu tenho tido neto e meu neto adoece, de olhado, tem pessoas que tem os olhos ruim.
-AV – A cura que a senhora fazia tem a ver com a fé? A senhora rezava pra algum santo; pra que a cura desse certo?
-MS – Nada vai pra frente, que não seja na presença do santo. Você vai rezar um “Pai Nosso” pra uma criatura que se acabou-se, morrem, cê tem que botar o santo na frente .Como é que você reza o “Pai Nosso” ? Você tem poder de rezar uma “Ave Maria” e entregar aquela santa, sem botar uma santa na frente?
-AV – A senhora rezava pra algum santo na hora que estava fazendo os remédios?
-MS – A pessoa reza, reza aquele “Pai Nosso”, quando acabou de rezar, ofereço esse “Pai Nosso” a louvores ao divino Espírito Santo e a favor de fulano de tal, pra quem você quer rezar, a minha mãe, ao meu pai, ao meu tio, seja lá quem for. Mas você reza, reza o “Pai Nosso”, quando acabar, ofereço esse “ Pai Nosso” a fulano de tal, não chega nem perto. Você não tem, você mais eu tenho o poder de rezar o pai nosso e torcer pra aquela pessoa, não tem não.
-AV – Então quando fazia a cura a senhora rezava para essa pessoa?
-MS – Rezo, rezo primeiro pra pessoa, pro santo, pra pessoa não, pra o santo.
-AV – Se a pessoa não tiver fé no remédio? Mesmo assim o remédio dá certo ou não?
-MS – Bom você tendo fé naquele santo, e ainda que não tenha fé no remédio o remédio vai lhe servir, vai lhe servi.




























História de vida

Filha de Manoel Vieira Rocha e Maria Ricardina da silva, Maria Vieira da silva nasceu em 20 de agosto de1917, em Aquidabã - SE. Aos quatro anos de idade sua família mudou-se para Propriá, pois seus pais encontravam-se muito doente foi buscar apoio em seus parentes que moravam numa cidade próxima a Propriá. Com a morte de seu pai, sua mãe foi trabalhar nas plantações de arroz, enquanto dona Nina cuidava dos seus quatro irmãos e da casa, sem nunca ter tempo pra estudar.
Aos 13 anos de idade, cansada da vida que levava, fugiu para casar com, Seu Manoel com quem teve 15 filhos, Depois de vinte anos de casamento seu marido a deixou por sua prima. Logo a separação, dona Nina mudou-se Aracaju, dona Nina foi trabalhar em casa de família, como pensão que seu marido lhe pagava e o dinheiro de seus trabalhos não davam para sustentar seus filhos, dona Nina chegou a pedir esmolas.
De seus 15 filhos, nove já morreram. Sua genealogia consta também de 34 netos, 46 bisnetos e 3 tataranetos.Desses, muitos foram criados por dona Nina que assumia a chefe da família. Hoje com 89 anos de idade, dona Nina assume sua casa, e com sua aposentadoria e a pensão que recebe de seu ex-marido (finado), dona Nina sustenta sua filha, três netos e um bisneto.
































Temática

Ao trabalhar com dona Nina, eu não tinha uma temática em vista. Só durante a entrevista, quando dona Nina relatou alguns casos de doenças de pessoas próximas e a forma como ela curou essas pessoas, foi que eu atentei para essa questão do curandeirismo. Passei então a explorar essa questão, e ela me falou sobre diversos casos de cura que ela realizou. Dentre elas as que eu achei mais interessante foi a cura do seu cumpadre Pedro que dona Nina assim relata:
“ Cumpadre Pedro tinha uma ferida na perna que quase dava pra ver o osso. Lavei a ferida com jarrinha, peguei mastruz e farinha, botei na boca e mastiguei, mastiguei,mastiguei, até fazer uma pasta. Coloquei a pasta na ferida e cobri com o pano. O povo dizia que ele ia aleijar, ele ficou bom...”
Outra cura interessante foi a de um casal que morava vizinho a ela e teve varíola. Dona Nina cuidou deles e venceu a doença com espinhos de laranjeiras, álcool, côcô de vaca e muita reza. Segundo dona Nina para os remédios dessem certo era preciso ter fé no divino Espírito Santo, assim disse ela:
“Uns se davam bem, outros não se dava porque sem dúvida não tinha fé... Tudo tem a ver com a fé... Nada vai pra frente se não for à presença do santo... Reza um pai nosso em louvor ao Espírito Santo e em favor de fulano de tal... Bom, você tendo fé naquele santo ainda que não tenha fé no remédio o remédio vai lhe servir.”
Assim, dona Nina era procurada pelas pessoas de sua comunidade que tinham alguma doença ou problemas. Dona Nina refere ter feito e ensinado vários remédios para as pessoas sem nunca ter cobrado por isso. Apesar de ter conhecido muitos curandeiros que cobravam. Ela refere apenas que ganhava presentes, ou ela ou seus filhos.
E muito interessante quando notamos em sua fala e ela não se ver como curandeira, e diz que as pessoas também não a via como tal, apenas a procuravam para que lhe ensinasse ou fizesse algum remédio, e ela fazia, pois se achava na obrigação de ajudar as pessoas e lhes ensinar seus conhecimentos.






















Ficha técnica da entrevista



Tipo de entrevista: Temática, porta voz de uma tradição oral – curandeirismo
Entrevistador: Anselmo Vieira da Silva
Levantamento de dados e roteiro: Anselmo Vieira da Silva e Simone Santos de Araújo Silva.
Conferência da transcrição: Anselmo Vieira da Silva e Sylvia Patricia Batista.
Sumário: Anselmo Vieira da Silva.
Leitura final: Prof. Dr. Antônio Lindvaldo.
Local: Aracaju - se.
Data: 19 de Agosto de 2006
Duração: 42 minutos
Fita cassete: nº1
Páginas datilografadas: 06 laudas.


































Carta de cessão


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Aracaju, 03 de Setembro de 2006.







Maria Vieira da Silva.






























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