UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA ANTIGA II
“O Casamento na Roma Antiga”
O casamento na Roma
Antiga era uma das principais instituições da sociedade romana e tinha como
principal objectivo gerar filhos legítimos, que herdariam a propriedade e o
estato dos pais. Entre as classes mais prestigiadas, servia também para selar
alianças de natureza política ou económica. Refira-se a título de exemplo Júlia,
filha de Júlio César e de Cornélia Cinnila, que inicialmente prometida a
Quintus Servilius Caepio, acabaria por casar com Pompeu quando o seu pai
estabeleceu com este a aliança que conduziu ao primeiro triunvirato. Vários
ritos do casamento romano foram legados ao mundo ocidental contemporâneo, como
a existência de um anel de noivado, do véu de noiva, a união das mãos direitas
dos nubentes ou ainda o acto de levar ao colo a noiva para dentro da habitação.
No início, não era
necessária nenhuma espécie de cerimónia legal ou religiosa para que um
casamento fosse considerado válido na Roma Antiga: bastava a coabitação entre
um homem e uma mulher para que estes fossem considerados casados. A
estruturação legal do casamento foi realizada ao longo da República, tendo sido
alterada com o Império. Até 445
a.C., só tinham direito a casar os patrícios. Nesse ano,
e através da lex Canuleia, o casamento é alargado a todos os cidadãos,
permitindo-se também o casamento entre patrícios e plebeus.
Na época de Augusto,
primeiro imperador romano, a legislação ligada ao casamento sofre mudanças.
Nessa altura, assistia-se em Roma a uma queda demográfica, provocada pela baixa
fertilidade. Essa baixa fertilidade foi decorrente da presença de chumbo nas
canalizações que transportavam a água consumida e pelo facto das mulheres
utilizarem maquiagem onde o chumbo estava presente. Para além disso, os casais
evitavam ter mais do que dois filhos, para evitar o fraccionamento dos bens,
que conduzia a uma desvalorização social, dado que o enquadramento em
determinada ordem dependia da fortuna pessoal. Para incentivar a natalidade e o
casamento, Augusto fez uso de duas leis, a lex Iulia de maritandis ordinibus
(18 a.C.)
e a lex Papia Poppaea (9
a.C.). Estas leis determinavam que todos os homens com
idade compreendida entre os 25 e os 60 anos, e todas as mulheres entre os 20 e
os 50 anos pertencentes à ordem senatorial e à ordem equestre (as duas ordens
mais importantes do Estado romano) deveriam ser casados, caso contrário seriam
penalizados. A penalização consistia em impedir que recebessem legados ou
heranças de pessoas que não fossem da sua família. Foi também instituído o ius
trium liberorum através do qual os pais de três ou mais filhos legítimos
gozavam de determinados privilégios, como a diminuição da idade mínima de
acesso às magistraturas. Para as mulheres, a concessão do ius trium
liberorum permitia a gestão própria dos bens (sem interferência do marido
ou do pai), podendo legalmente herdar e legar. As medidas tiveram pouco efeito.
Para que um casamento
fosse válido na Roma Antiga (iustae nuptiae) era necessário que se
respeitassem os seguintes critérios: a capacidade jurídica matrimonial, a idade
e o consentimento. A capacidade jurídica matrimonial
recebia o nome de conubium e dela só gozavam os cidadãos romanos. Os
estrangeiros, os escravos, os actores e e os que trabalhavam na prostituição
estavam impedidos de casar. O conubium poderia ser concedido em casos
excepcionais. Também não se verifica conubium entre pais e filhos (mesmo
que o filho ou filha tivesse sido adoptado) e entre irmãos (mesmo que apenas
meio-irmãos). Não era também permitido o casamento de um homem com a filha do
seu irmão, mas a interdição foi alterada pelo Senado romano para permitir o
casamento do imperador Cláudio com a sua sobrinha Agripina.
As idades mínimas para casar encontravam-se relacionadas com o atingir da puberdade
(pubertas). No caso dos homens, esta idade estava fixada aos 14 anos e
nas mulheres aos 12 anos. Na prática, era raro um homem casar antes dos 30
anos. No tocante às mulheres, procurava-se aguardar os 14, 15 anos. Era
socialmente aceito o casamento de um homem com uma mulher com idade para ser
sua filha ou neta; já o contrário não era tão bem visto. Os pais poderiam
prometer os filhos em casamento aos 7 anos de idade.O
consentimento requerido para o casamento era o dos nubentes e do pater
familias.
A celebração do noivado
era feita através de uma cerimónia (sponsalia) na qual se reuniam as
duas famílias. O noivo oferecia presentes à noiva, entre os quais um anel de ferro
(mais tarde, de ouro), que seria colocado no anelar da mão esquerda. Na Antiguidade
acreditava-se que este dedo se comunicava com o coração através de um nervo.
Assinava-se também o contrato nupcial, no qual se estabelecia o montante do dote
(dos). Concluídas estas formalidades, tinha lugar um banquete. O
casamento ocorreria num período compreendido entre alguns meses a dois anos
depois.
Existiam duas formas
jurídicas de casamento, o cum manum (ou in manum) e o sine
manum. Através do casamento cum manum a mulher passava da autoridade
do seu pai para a do marido. Era uma forma de casamento autocrática, dado que a
mulher não tinha qualquer tipo de direitos sobre os seus bens nem mesmo sobre a
sua própria vida. A sua situação era semelhante a dos filhos ou a dos escravos O
casamento cum manum caiu em desuso mesmo antes do fim da República,
tendo dado lugar ao matrimónio sine manu. Nesta forma, a mulher
permanecia sob a tutela do seu pai (ou tutor, caso o pai tivesse falecido),
poderia dispor dos seus bens e receber heranças; em caso de divórcio, o dote
não ficaria por completo para o marido.
O casamento cum manum
manifestava-se através de três formas: a confarreatio, a coemptio
e o usus. A confarreatio era a forma
mais antiga e solene de casamento na Roma Antiga, tendo sido praticado pelos
patrícios ao longo dos tempos. Era prática obrigatória entre o rex sacrorum,
o flamen Dialis, o flamen Martialis e o flamen Quirinalis;
para além de só poderem casar por esta forma, estes sacerdotes tinham que ser
filhos de pessoas casadas pela confarreatio.Era também o único casamento
em cuja cerimónia estavam presentes sacerdotes, que eram o flamen Dialis
(em representação de Júpiter, que presidia a esta união) e o pontifex maximus.
Celebrava-se na presença de dez testemunhas, com os noivos de cabeça coberta
sentados um ao lado do outro em bancos cobertos com a pele de uma ovelha
oferecida em sacrifício.
Pronunciadas as fórmulas solenes, os noivos davam um volta
pelo lado direito ao altar, tomavam um pouco de sal e um bolo de espelta, o panis
farreus (daí o nome confarreatio). A coemptio
era uma reconstituição simbólica do tempo remoto em que os homens compravam as
mulheres para poderem casar. Requeria apenas cinco testemunhas, em presença das
quais o noivo pagava ao pai da noiva uma moeda de prata ou bronze, colocada
numa balança segurada por um homem (o libripens). O
casamento per usum ou usus concretizava-se quando uma mulher
tivesse coabitado de forma ininterrupta por um ano com um homem. Contudo, se
durante este ano a mulher tivesse passado três noites fora de casa (trinoctio),
continuava solteira e sob tutela do pai.
Alguns Ritos
Devido à sua importância na vida de homens e mulheres, o casamento deveria
ser realizado em datas consideradas como favoráveis. O período tido como mais
propício era a segunda metade do mês de Junho, porque relacionado com o solstício
de Verão, momento de apogeu do mundo natural. Era desaconselhado casar entre os
dias 13 e 21 de Fevereiro (dias do festival Parentalia), entre 1 e 15 de Março,
nos dias fixos de cada mês (Kalendae, Nonae e Idus) e nos
dias em que se abria a tampa do "mundus" (uma vala no Circo Máximo
que se acreditava comunicar com o mundo dos mortos), ou seja, nos dias 24 de
Agosto, 5 de Outubro e 8 de Novembro. Casar no mês de Maio era totalmente
desaconselhado, porque era o mês em que se celebravam os Lemuria, festa dos
mortos; acreditava-se que aqueles que o fizessem morreriam em pouco tempo. Embora
não fosse proibido, não era conveniente casar nos dias das festas romanas,
porque os convidados optariam por participar nesses eventos e não estariam
presentes na cerimónia. As viúvas escolhiam muitas vezes casar nestes dias, uma
vez que não chamariam tanto a atenção para a nova união.
Na véspera do dia de
casamento, a noiva consagrava os seus brinquedos de infância aos Lares, assim
como a sua bulla (um colar que lhe tinha sido colocado no seu oitavo dia
de vida para protegê-la do mau-olhado). Abandonava o uso da toga praetexta,
uma toga com uma borda púrpura, e colocava a tunica recta, a
"túnica correcta", que era branca e se estendia até aos pés. Na
cintura colocava o cingulum, um cinto atado com um nó especial para a
ocasião, o nodus herculeus (em alusão a Hércules, que segundo a lenda
teria tido mais de setenta filhos), que só deveria ser desatado pelo esposo
quando o casamento fosse consumado. O seu cabelo era separado em seis madeixas
(sex crines) com a ponta de uma lança, sendo estas madeixas presas com
fitas de lã. A cabeça era depois coberta com um véu alaranjado, o flammeum.
O simbolismo deste véu era tão grande, que o próprio acto de casar, quando se
referia a uma mulher, dizia-se nubere, literalmente, "colocar o
véu". Por cima deste véu colocava-se por sua vez uma coroa de manjerona e verbena
(na época imperial passou-se a usar a flor de laranjeira). Os sapatos da noiva
tinham a mesma cor que o véu. No dia seguinte, a casa da noiva era totalmente
enfeitada (particular cuidado era prestado às portas e umbrais) com ramos de
árvores sempre verdes e com flores. A noiva era assessorada pela pronuba,
uma matrona casada uma única vez e com o marido ainda vivo, que simbolizava
através destas duas características a "esposa ideal". Era ela que
juntava as mãos direitas dos noivos (ritual do dextrarum iunctio), acto
ao qual se seguia a declaração de uma fórmula por parte da noiva: ubi tu
Gaius, ego Gaia (para alguns autores esta frase seria dita quando a mulher
chegasse à sua nova casa). Cumpridos estes ritos, celebrava-se a cena
nuptialis na casa da noiva. Neste banquete participavam familiares e
convidados e o evento prolongava-se até ao anoitecer. Nessa altura ocorria a deductio,
uma simulação de rapto da noiva feita pelo noivo: esta refugiava-se nos braços
da mãe, enquanto o noivo fingia arrancá-la à força, tudo acompanhado com
lamentos e lágrimas fingidas. A deductio era uma alusão ao rapto das
Sabinas, em que Rómulo
e os seus companheiros tomaram esposas recorrendo à força. Chegava então o
momento de organizar o cortejo, que à luz de archotes(corda coberta com breu
que se acende para iluminar) levaria a noiva para a casa do marido. A noiva era
acompanhada por três meninos, que tinha os pais ainda vivos (patrimi e matrimi).
Dois meninos iam de mão dada ao lado da noiva, enquanto que o terceiro seguia
um pouco à frente com um archote de espinheiro-alvar, que tinha sido aceso na
casa da noiva. Os restos deste archote eram considerados como capazes de
conceder uma vida longa, pelo que eram distribuídos entre os participantes. Os
meninos ou a noiva transportavam a roca e o fuso, símbolos da vida doméstica (a
principal actividade esperada de uma mulher casada era fazer a roupa da sua
família). As pessoas que viam ou acompanhavam o cortejo gritavam "Thalasse",
nome de uma divindade protectora do casamento, e recitavam versos, alguns de
carácter picante. Atiravam-se também nozes. O marido, que tinha se adiantado ao
cortejo para chegar à sua casa, recebia a noiva, à qual oferecia fogo e água.
Esta, com azeite e gordura animal realizava um ritual que consistia em ungir os
umbrais da porta da casa. Era então levada ao colo para dentro da habitação
pelos acompanhantes ou pelo marido, para que não tropeçasse a entrar na nova
casa, o que seria interpretado como um sinal negativo. A pronuba
conduzia-a ao leito nupcial, onde seria consumada a união. Ajudava-a a retirar
a roupa e as jóias, encorajava-a para o que se seguiria e deitava-na na cama. O
noivo poderia então entrar, embora no exterior continuasse a festa. Antes de
partir a pronuba realizava um sacrifício. No dia seguinte, a esposa,
vestida já com a stola das matronas (uma espécie de
"vestido"), realizava uma oferenda aos Lares e Penates. Nesse mesmo
dia ocorria um banquete (spotia) reservado às duas famílias.
O adultério (adulterium)
verificava-se quando um homem, casado ou solteiro, mantinha relações sexuais
com uma mulher casada. Se o homem tivesse relações com prostitutas ou escravas,
estas relações não eram consideradas como adultério. O adultério foi também
alvo das preocupações do imperador Augusto, que em 17 a.C., através da lex
Julia de adulteriis coercendis, procurou puni-lo severamente. O adultério
passou a ser um crime público, quando até então tinha sido resolvido no âmbito
familiar. O marido era obrigado a pedir o divórcio (caso contrário seria acusado
de proxenetismo, lenocinium), dispondo de 60 dias para apresentar queixa
contra a esposa adúltera. Em caso de inércia, qualquer cidadão poderia
apresentar provas do adultério num período de quatro meses. Caso ninguém a
denunciasse durante este período, a mulher não poderia mais ser perseguida. Nos
termos da lei, o marido poderia matar o amante da esposa caso o surpreendesse
em "flagrante delito" e se este fosse membro dos estratos
considerados pouco dignos (ou seja, se fosse um escravo, um gladiador, um
actor, um bailarino ou um prostituto). O marido poderia ainda prendê-lo durante
vinte horas, com o objectivo de poder chamar testemunhas. O pai da adúltera
poderia matar a filha e o amante caso os apanhasse em sua casa ou na casa do
genro, dado que se considerava que existia particular agravo em levar um amante
para uma destas casas. Porém, não poderia matar apenas o amante, pois poderia
ser acusado de homicídio.
As penas para uma mulher
condenada por adultério eram a confiscação de metade do seu dote e da terça
parte dos seus bens e o exílio para ilhas desertas, como a ilha de Pandataria
(actual Ventotene). Era também obrigada a usar a toga e não poderia voltar a
casar, assumindo o estatuto de probrosa (infame), o que a colocava ao
mesmo nível que as prostitutas. No caso do homem, previa-se a confiscação de
metade dos bens e o exílio para uma ilha (obviamente que não seria a mesma ilha
para onde tinha ido a mulher com a qual tinha praticado o adultério); poderia
ainda ser condenado ao trabalho forçado em minas. Augusto
aplicou as disposições desta lei na sua própria família, nomeadamente sobre a
sua filha e a sua neta, ambas chamadas Júlia. Denunciou os vários amantes da
primeira através de uma carta que dirigiu ao Senado romano (e que gerou um
escândalo na altura) e mandou matar um deles, Júlio António, filho de Marco António,
tendo Júlia sido desterrada para a ilha da Pandataria. Quanto à sua neta, foi
igualmente enviada para uma ilha inóspita pela prática de adultério.
No início, apenas o homem
poderia solicitar o divórcio e em casos muito específicos, como o adultério ou infertilidade
da sua esposa. A tradição romana considerava que o primeiro divórcio teria
ocorrido em 230 a.C.
quando Spurius Carvilius Ruga divorciou-se da esposa por esta ser infértil. As
mulheres só conquistaram o direito a pedir o divórcio no final da República. Na
época imperial o divórcio tornou-se uma prática corrente: para além dos motivos
enunciados, um casal poderia divorciar-se por estar farto um do outro ou por
ter surgido uma aliança mais atractiva. A religião romana não se opunha ao
divorcio. Para que o divórcio se efectivasse bastava que um dos cônjuges
declarasse perante testemunhas a fórmula tuas res tibi habeto
("fica com o que é teu") ou i foras ("sai da minha
casa"). Estas fórmulas também poderiam ser escritas numa carta e entregues
ao cônjuge por um liberto. Os filhos da união terminada ficavam com o pai e com
a família deste. Aos homens cujas esposas tinham falecido era permitido casar
de imediato. As mulheres teriam de esperar no mínimo dez meses; no tempo de
Augusto este período alargou-se para doze meses. Esta regra imposta à mulher
relacionava-se com o desejo de assegurar que caso esta estivesse grávida do
marido falecido não houvesse dúvidas sobre quem era o pai.
O concubinatus era
a união entre duas pessoas livres impedidas de casar, como por exemplo o
governador de uma província e uma mulher natural dessa província (a
impossibilidade de casar advinha neste caso do facto dela ser uma estrangeira).
Tinha como requisitos a idade legal e o consentimento, não sendo necessário um
dote. Os filhos destas uniões não ficavam sujeitos à autoridade do pai e
ficavam com o nome da mãe. Eram também comum entre os soldados, que até ao ano
de 197 a.C.
não podiam casar antes de terem concluído vinte e cinco anos de serviço pelos
quais recebiam como recompensa a cidadania romana. O contubernium era a
união (sem qualquer tipo de reconhecimento jurídico) entre duas pessoas com
estatuto de escravas ou entre um escravo e uma liberta que viviam juntos como
marido e mulher (contubernales). O consentimento para a união tinha que
ser concedido pelo senhor, que a qualquer momento poderia dissolvê-la.
Bibliografia
- FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Editora Contexto, 2003.
- GRIMAL, Pierre. A vida em Roma na Antiguidade. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário